Glúten faz mesmo mal para a saúde?
O glúten tem sido encarado como vilão da saúde nas últimas décadas, embora não haja comprovação científica de que ele faça mal a maioria das pessoas.
Comum em receitas milenares, o glúten, do latim glutinum, que quer dizer cola, garante a boa textura de uma série de alimentos, como o pão. Responsável por 80% das proteínas do trigo, o composto une duas moléculas que são um prato cheio para a indústria alimentícia: a gliadina, que confere viscosidade aos ingredientes, e a glutenina, que dá coesão, força e elasticidade. Juntas, ajudam a massa a crescer e a deixam macia. É fácil, então, entender por que o composto é tão comum na mesa ocidental – da bisnaguinha ao ketchup.
Apesar dos seus atributos, o glúten foi alçado a vilão nos últimos 20 anos. Best sellers e influenciadores disseminando regimes da moda levaram a uma aversão generalizada que Elisabeth Chiari Rios Neto, presidente do CFN (Conselho Federal de Nutricionistas), chama de terrorismo nutricional. “A onda chegou tão longe que as vendas de produtos sem glúten crescem 30% ao ano desde 2004”, diz.
Muita gente o cortou da dieta para emagrecer ou atingir uma vida mais saudável. Mas será que isso faz sentido que o glúten faz realmente mal? Entenda o que a ciência diz.
Mas afinal, o glúten faz mal?
Ao menos até agora, não há comprovação de que o glúten seja prejudicial a pessoas que não tenham algum problema no organismo que limita a ingestão do nutriente. A restrição ao componente é indicada em três casos:
- doença celíaca
- alergia
- sensibilidade não celíaca.
Doença celíaca
Quando uma pessoa celíaca consome glúten, seu sistema imunológico o encara como algo a ser combatido. Assim que uma comida com esse composto chega ao intestino, o mecanismo de defesa inflama as microvilosidades, que deixam de absorver elementos importantes como ferro e vitaminas.
Nesse processo, há quem sofra de vômitos, diarreia, perda óssea e até desnutrição. Muita gente descobre que tem anemia, por exemplo, e quando investiga a raiz da deficiência nutricional é diagnosticada com doença celíaca. Outro caso comum é quando alguém pensa ter intolerância à lactose, mas seu corpo não consegue absorver nutrientes do leite por conta das feridas intestinais causadas pela doença celíaca.
Por esses motivos, o diagnóstico é um grande desafio. Ele pode ser feito por um exame de sangue que avalia a reação dos anticorpos ao glúten, ou por uma endoscopia, para analisar a superfície do intestino e verificar se há algum tipo de inflamação. Identificado o problema, é preciso cortar o componente da dieta de forma definitiva.
Alergia ao glúten
No caso da alergia ao glúten, o corpo não gera reação autoimune, mas apresenta rejeição ao componente de diferentes maneiras: espirros, dificuldade para respirar, coceiras e até anafilaxia, resposta extrema capaz de comprometer a circulação sanguínea e levar à morte.
Outra diferença é que, aqui, a ingestão não é o único modo de causar esses efeitos. É por isso que alérgicos devem também passar longe de cosméticos produzidos com glúten, por exemplo.
Sensibilidade não celíaca ao glúten
Uma terceira situação é a chamada sensibilidade não celíaca ao glúten. Ainda em estudo pelos cientistas, trata-se de uma aversão do organismo ao componente que pode levar a sintomas como fadiga e inflamação no intestino. Nesse caso, o indivíduo não apresenta resposta autoimune, nem reações alérgicas, mas a presença do ingrediente é nociva. Então, é importante evitá-lo.
E quanto às pessoas sem alterações no organismo?
Cientistas do mundo todo ainda buscam descobrir se o glúten traz malefícios a quem não sofre de intolerância ou alergia. Além de nenhum estudo ter identificado esse tipo de dano, não há evidência suficiente para assumir que pessoas sem alterações no organismo sejam beneficiadas por uma dieta sem o composto, segundo um parecer técnico da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição.
Mas, então, por que há tantos livros e materiais na internet defendendo a dieta sem glúten? Em que se baseiam essas alegações antes mesmo que a ciência tenha batido o martelo sobre o tema?
Entre os argumentos de quem empreende essa cruzada estão as mudanças que o trigo sofreu ao longo da história. Um dos principais porta-vozes da pauta é o cardiologista estadunidense William Davis, autor do livro “Barriga de Trigo” (Editora WMF Martins Fontes), lançado em 2011.
O médico defende que as transformações genéticas no ingrediente, que passam pelo aumento da concentração de glúten, têm levado a doenças em todo o mundo. O autor não critica apenas o composto, mas o inclui como um dos vilões centrais da saúde.
Sabe-se que a estrutura de muitos grãos se modificou em meados do século 20, quando cientistas buscaram formas de tornar as plantações mais resistentes mediante modificações transgênicas. O movimento, que mudou o modelo agrícola então vigente, ficou conhecido como Revolução Verde.
Um dos responsáveis por essas transformações foi o engenheiro agrônomo Norman Borlaug, que desenvolveu espécies de trigo resistentes a pragas e recebeu o Prêmio Nobel da Paz ao propor uma solução para a fome baseada em produções de larga escala.
É verdade que, com esse tipo de mudança, o pãozinho que sua bisavó fazia no início do século passado tinha uma estrutura diferente dos de hoje. Mas, segundo Rios Neto, não há comprovação de que isso tenha aumentado doenças pela presença de formas alteradas de glúten.
Cortar o glúten emagrece?
Muitos atletas e blogueiros fitness trazem ainda dois argumentos para o front: o de que a dieta sem glúten pode melhorar a performance esportiva e o de que o composto engorda. Mas nenhuma dessas premissas tem evidência científica.
O que acontece é que o glúten é comum em alimentos processados (devido a suas propriedades atrativas para as indústrias) e em fontes de carboidratos, que em excesso levam ao ganho de peso. Só isso já ajuda a explicar por que o corpo reage diferente quando se corta comidas com o composto —o que tem mais a ver com o tipo de alimento do que com o glúten em si.
Conclusões
Mas se mesmo sem necessidade alguém quiser abolir o glúten, precisa tomar alguns cuidados. O componente por si só não traz benefícios, mas é possível sofrer com a falta de nutrientes comuns em comidas em que ele esteja. O acompanhamento de um médico ou nutricionista é fundamental nessa transição.
Especialistas recomendam substituir as principais fontes de glúten, como pães, biscoitos e bolos, por fontes energéticas, como o milho, o inhame e outras menos populares no Brasil, como a quinoa e o amaranto.